Criar leis e definir papel da mulher são desafios na América Latina
Por Ana Luiza Zenker, da Agência Brasil
Brasília - Criar leis, fazer com que as normas existentes sejam observadas e, principalmente, mudar o entendimento sobre qual é o papel e a posição das mulheres na sociedade. Na opinião da pesquisadora adjunta do Centro de Estudos Comparados das Américas (Cepac) da Universidade de Brasília (UnB), Mireya Suarez, esses são os principais desafios a serem enfrentados no que diz respeito aos direitos das mulheres na América Latina.
Ainda assim, a professora afirma que já se avançou muito. “Basicamente porque o problema foi colocado e hoje ninguém que se respeite vai dizer, 'balela, as mulheres estão falando de nada', todo mundo hoje aceita que há culturalmente um problema na sociedade e que deve ser corrigido.”
Entre os avanços obtidos, Mireya Suarez cita a criação das delegacias especializadas no atendimento às mulheres e dos programas de Saúde Integral da Mulher, que tinham como objetivo dar atendimento focado em problemas tipicamente femininos. "Mas, de maneira geral, [esses programas] não tiveram o sucesso que teve a delegacia, simplesmente porque nossos países são países com problemas para universalizar a saúde”.
A professora ainda destaca a criação de leis que combatem a violência contra a mulher, particularmente a doméstica, mas faz a ressalva de que as leis nem sempre são aplicadas adequadamente. “Esse é um problema que não é somente na América Latina, mas certamente aqui é maior por causa das grandes diferenças de classe e étnicas, que criam um estado de instabilidade e conflito, onde as mulheres acabam apanhando mais”, afirmou, em entrevista à Agência Brasil.
Um exemplo de violência contra a mulher é o caso de Ciudad Juárez, no México. De 1993 até 2001, segundo relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), foram assassinadas mais de 200 mulheres, todas de forma violenta.
Na opinião da professora, a localização da cidade na fronteira com os Estados Unidos é um dos fatores que podem explicar os números. Mireya Suarez, no entanto, acrescenta que essa é uma situação que não se limita à cidade mexicana, mas acontece em diversas regiões de fronteira no continente. “Há algo que chamou atenção em Ciudad Juárez porque o movimento conseguiu mobilizar, mas a violência contra as mulheres é algo que não conseguiu ser superado”, afirma.
Apesar dos problemas apontados, a professora acredita que o movimento feminista na América Latina é forte e bem articulado internacionalmente. “As redes feministas, principalmente de mulheres negras e de mulheres indígenas, são poderosas”, diz.
A pesquisadora explica que as indígenas tiveram mais sucesso pela identidade cultural mais forte, mas que as negras são mais incisivas na crítica social, dando destaque à organização das mulheres negras do Caribe. “Há uma luta de mulheres negras que é diferente da luta das mulheres feministas. Elas são feministas também, trabalham pelos direitos das mulheres, mas argumentam que além de ser mulheres, são negras”, destaca.
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Igualdade entre homens e mulheres está longe de ser alcançada, avalia ativista
Apesar de a Constituição Federal de 1988 definir que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, esse princípio ainda está muito longe de ser alcançado, avalia a coordenadora-geral do Instituto Feminista para a Democracia (SOS Corpo), a socióloga Maria Betânia Ávila.
“A gente tem uma igualdade formal, algumas coisa mudaram, mas as mulheres ainda são profundamente discriminadas e desiguais no mercado de trabalho”, ressalta. A socióloga defende que, na prática, também é preciso avançar nas áreas de combate à violência contra a mulher e saúde.
Para ela, houve conquistas importantes no que se refere à criação de mecanismos legais para combater a violência, "mas ela ainda é uma realidade muito cruel para as mulheres no país”. Ela acrescenta que “as mulheres ainda têm muita dificuldade de acesso aos serviços de saúde no cotidiano e isso é uma marca da desigualdade”.
A sócia fundadora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) Gilda Cabral, concorda que, em termos legais, foram obtidos avanços importantes, especialmente na campanha em defesa dos direitos da mulheres durante a Assembléia Nacional Constituinte, entre 1986 e 1988. “Na lei já temos muitos direitos, precisamos é conseguir esses direitos na vida, para acabar com a discriminação e as diferenças que ainda há”, afirmou, em entrevista à Agência Brasil.
Gilda Cabral diz que uma das poucas questões em que ainda não há nem mesmo legislação é a legalização do aborto. “Fora esse aspecto, em que ainda há uma mistura de estado laico com a igreja, crenças religiosas, que não permitem à mulher essa liberdade, você tem grandes avanços, mas a sociedade e os governos não têm ainda as políticas públicas e os equipamentos necessários para garantir essa igualdade.”
A diretora da organização não-governamental (ONG) Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Jaqueline Pitanguy, lembra que, na década de 1980, quando foi aprovada a nova Constituição, as conquistas em termos de direitos da mulher colocaram o Brasil em posição de vanguarda.
De acordo com a diretora, essa posição permitiu ao Brasil defender propostas avançadas nas diversas conferências realizadas pelas Nações Unidas na década de 1990, como a de Direitos Humanos em Viena (Áustria), em 1993, a de População e Desenvolvimento no Cairo (Egito), em 1994, e a de Direitos da Mulher, em Pequim (China), em 1995.
“Em todas essas conferências o Brasil teve uma posição muito avançada, foi inclusive uma referência não só para países da América Latina, mas para vários outros países, porque lá as delegações oficiais, governamentais, podiam apoiar propostas avançadas, pois nós já tínhamos de uma certa forma feito o dever de casa aqui em 1988”, afirma.
Para Jaqueline Pitanguy, o Brasil continuou avançando nos últimos 20 anos, mas de forma desigual. “Nós não avançamos da mesma forma em todas as áreas, mesmo porque as pressões são muito diferentes; por exemplo, acredito que no campo da saúde reprodutiva nós não avançamos tanto quanto deveríamos.”
Nessa área, ela diz que falta mais esclarecimento sobre a contracepção de emergência, a esterilização como um direito da mulher e até mesmo o aborto.
Crédito de imagem: Rima Mozayen
(Envolverde/Agência Brasil)
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"As duas violências foram muito graves, a doméstica e a institucional. Em ambas, me senti impotente. Mas não ver a quem recorrer é algo que deixa a pessoa muito frustrada, deprimida"
Maria da Penha
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