Resumo: A sanção presidencial à recém-batizada Lei Maria da Penha selou o destino de milhões de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. A partir da tragédia pessoal de uma cidadã brasileira, vítima de agressões que deixaram marcas permanentes na alma e no corpo, o País enfim vê nascer no ordenamento jurídico nacional a sua mais importante resposta à sociedade internacional sobre os compromissos firmados por tratados e convenções há mais de dez anos para o combate à violência doméstica contra a mulher.
E foram muitas as mudanças: inovações no processo judicial, nos papéis das autoridades policiais e do Ministério Público, alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Trata-se de um verdadeiro estatuto no combate à violência doméstica e familiar.
I - Introdução
Em cerimônia que contou com a presença de mulheres ocupando os mais relevantes cargos públicos do País, além de representantes de entidades feministas, o presidente da República sancionou neste dia 7 de agosto o projeto de lei da Câmara nº 37, de 2006, que "cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências."
Entre as convidadas, fez-se presente a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, cuja tragédia pessoal sensibilizou organismos internacionais e provocou uma reação do Estado brasileiro na questão do combate à violência doméstica contra a mulher. Não por outra razão o presidente "batizou" a nova lei sancionada como "Lei Maria da Penha" – uma homenagem justa e sensível que a todos surpreendeu, comovendo os convidados à cerimônia de sanção.
A Lei Maria da Penha irá modificar profundamente as relações entre mulheres vítimas de violência doméstica e seus agressores, o processamento desses crimes, o atendimento policial a partir do momento em que a autoridade tomar conhecimento do fato e a assistência do Ministério Público nas ações judiciais.~
Muito embora a iniciativa legislativa tenha sido do próprio Poder Executivo, que o apresentou ao final de 2004, a proposta é fruto de anos de discussão entre o Governo brasileiro e a sociedade internacional e também de um apelo de milhões de mulheres brasileiras vítimas de discriminação por gênero, de agressões físicas e psicológicas e de violência sexual, tanto dentro como fora do seio familiar.
II - A dura realidade das vítimas
O assunto muitas vezes provoca desconforto, tanto em homens como em mulheres. Não só pelo preconceito, mas também pelo desconhecimento e até mesmo em razão de fatores culturais retrógrados.
O mundo padece desse problema há séculos e do mesmo mal sofre o Brasil. Os fatos sociais falam por si: estudo realizado pelo IBGE [1], no final da década de 1980, constatou que 63% das agressões físicas contra as mulheres acontecem no âmbito doméstico e seus agressores são pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. De outra sorte, a Fundação Perseu Abramo, em pesquisa realizada em 2001, chegou à seguinte conclusão:
"A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos." [2]
Os dados apontam para um problema que, como se pode observar, transcende a seara privada, invadindo a ordem pública – o que reclama soluções imediatas e improrrogáveis.
Muitas eram as mudanças que reclamavam resposta do Governo brasileiro. É certo, porém, que a primeira delas foi também condição para o desenvolvimento das demais: o reconhecimento público desse mal social e o compromisso em combatê-lo.
O assunto muitas vezes provoca desconforto, tanto em homens como em mulheres. Não só pelo preconceito, mas também pelo desconhecimento e até mesmo em razão de fatores culturais retrógrados.
O mundo padece desse problema há séculos e do mesmo mal sofre o Brasil. Os fatos sociais falam por si: estudo realizado pelo IBGE [1], no final da década de 1980, constatou que 63% das agressões físicas contra as mulheres acontecem no âmbito doméstico e seus agressores são pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. De outra sorte, a Fundação Perseu Abramo, em pesquisa realizada em 2001, chegou à seguinte conclusão:
"A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos." [2]
Os dados apontam para um problema que, como se pode observar, transcende a seara privada, invadindo a ordem pública – o que reclama soluções imediatas e improrrogáveis.
Muitas eram as mudanças que reclamavam resposta do Governo brasileiro. É certo, porém, que a primeira delas foi também condição para o desenvolvimento das demais: o reconhecimento público desse mal social e o compromisso em combatê-lo.
III – O Brasil e os acordos internacionais: CEDAW e Convenção de Belém do Pará.
O primeiro passo brasileiro contra esse tipo de violência foi a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women), em 1º de fevereiro de 1984, com reservas [3] a alguns dispositivos [4]. Posteriormente, em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres, em particular na relação conjugal, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando [5] plenamente o texto.
O preâmbulo da Convenção assinalou o entendimento dos Estados-Partes para a concepção do problema da desigualdade de gênero e da necessidade de solucioná-lo, ao assinalar que "a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz".
Seu apelo maior foi o reconhecimento de que "a discriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço ao seu país e à humanidade".
O segundo passo adotado pelo Brasil nessa direção foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como "Convenção de Belém do Pará".
Essa Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, em 6 de junho de 1994, e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 [6]. O tratado complementa a CEDAW e reconhece que a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, de forma a limitar total ou parcialmente o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades.
Seu texto assinala que "a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens", para então concluir que a "adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las".
Outro importante avanço foi a ratificação pelo Brasil, em 28 de junho de 2002, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) [7], que ofereceu a possibilidade de as denúncias individuais serem submetidas ao Comitê [8].
Esse mecanismo adicional firmado pelo Brasil veio integrar a sistemática de fiscalização e adoção de medidas contra Estados signatários desses acordos internacionais que estejam condescendentes com casos isolados de discriminação e violência contra a mulher. Um desses acontecimentos ganhou repercussão internacional: o caso Maria da Penha Maia Fernandes [9], que expôs as entranhas do lento processo judicial brasileiro ao mundo.
O primeiro passo brasileiro contra esse tipo de violência foi a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women), em 1º de fevereiro de 1984, com reservas [3] a alguns dispositivos [4]. Posteriormente, em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres, em particular na relação conjugal, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando [5] plenamente o texto.
O preâmbulo da Convenção assinalou o entendimento dos Estados-Partes para a concepção do problema da desigualdade de gênero e da necessidade de solucioná-lo, ao assinalar que "a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz".
Seu apelo maior foi o reconhecimento de que "a discriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço ao seu país e à humanidade".
O segundo passo adotado pelo Brasil nessa direção foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como "Convenção de Belém do Pará".
Essa Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, em 6 de junho de 1994, e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 [6]. O tratado complementa a CEDAW e reconhece que a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, de forma a limitar total ou parcialmente o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades.
Seu texto assinala que "a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens", para então concluir que a "adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las".
Outro importante avanço foi a ratificação pelo Brasil, em 28 de junho de 2002, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) [7], que ofereceu a possibilidade de as denúncias individuais serem submetidas ao Comitê [8].
Esse mecanismo adicional firmado pelo Brasil veio integrar a sistemática de fiscalização e adoção de medidas contra Estados signatários desses acordos internacionais que estejam condescendentes com casos isolados de discriminação e violência contra a mulher. Um desses acontecimentos ganhou repercussão internacional: o caso Maria da Penha Maia Fernandes [9], que expôs as entranhas do lento processo judicial brasileiro ao mundo.
IV – O caso nº 12.051/OEA: Maria da Penha Maia Fernandes
Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha foi vítima de violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono e encobriu a verdade afirmando que houve uma tentativa de roubo.
A agressão – na verdade, uma tentativa de homicídio de seu ex-marido – deixou seqüelas permanentes: paraplegia nos membros inferiores. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, a Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava.
Entre a prática dessa dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso transcorreram nada menos que 19 anos e 6 meses, graças aos procedimentos legais e instrumentos processuais brasileiros vigentes à época, que colaboraram demasiadamente para a morosidade da Justiça.
Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais.
Assim, diante da leniência brasileira com a morosidade do processamento dos crimes domésticos contra a mulher, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001 [10], em que concluiu o seguinte:
"(...) a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.
Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher.
Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida"
Por fim, o Relatório recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial, recomendou "simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera".
Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha foi vítima de violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono e encobriu a verdade afirmando que houve uma tentativa de roubo.
A agressão – na verdade, uma tentativa de homicídio de seu ex-marido – deixou seqüelas permanentes: paraplegia nos membros inferiores. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, a Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava.
Entre a prática dessa dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso transcorreram nada menos que 19 anos e 6 meses, graças aos procedimentos legais e instrumentos processuais brasileiros vigentes à época, que colaboraram demasiadamente para a morosidade da Justiça.
Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais.
Assim, diante da leniência brasileira com a morosidade do processamento dos crimes domésticos contra a mulher, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001 [10], em que concluiu o seguinte:
"(...) a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil.
Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher.
Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida"
Por fim, o Relatório recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial, recomendou "simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera".
V – Medidas nacionais de combate à violência doméstica contra a mulher então adotadas: ineficácia e contradição.
Apesar de o País ter-se comprometido verdadeiramente em adotar políticas públicas de combate à violência e à discriminação contra a mulher desde a assinatura dos primeiros acordos internacionais, as propostas implementadas foram extremamente tímidas.
Nem mesmo a criação dos Juizados Especiais em 1995 foi suficiente à solução do problema, tendo servido apenas como porta de acesso ao Poder Judiciário para as mulheres vítimas dessa violência.
Um dos fenômenos sociais, inclusive, resultantes da nova sistemática de processamento judicial a partir da edição da lei nº 9.099/95 foi a impunidade e a baixa repressão aos agressores. A lei nº 9.099/95 tem méritos inegáveis e cremos que deveria expandir seu rito simplificado e célere aos demais procedimentos judiciais vigentes. Entretanto, a sociedade civil não concordou com essa solução no caso das mulheres vítimas de violência doméstica.
Uma vez que a competência para processar o crime de menor potencial ofensivo foi fincada aos Juizados Especiais Criminais, pôde-se observar que os réus, quando condenados, eram "obrigados apenas a pagarem uma cesta básica alimentar ou prestar serviços à comunidade. Tal situação tem levado à banalização da violência doméstica, desestimulando as vítimas a denunciar esses crimes e dando aos agressores um sentimento de impunidade", conforme relatório entregue ao CEDAW pela autoridade brasileira [11].
Assim, após mobilização intensa dos movimentos feministas, o Poder Legislativo, finalmente alterou o Código Penal de 1940 com a edição da lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004, que "acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado ‘Violência Doméstica’."
O dispositivo afetado trata do crime de lesão corporal e, entre os tipos contemplados, reside a tipificação do crime cujo nomen juris foi defino como "violência doméstica", sendo, pois, a lesão corporal praticada "contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade", estipulando pena de detenção de seis meses a um ano. Também agrava a pena em um terço, quando a violência doméstica praticada for de natureza grave.
Em que pese a tentativa de cumprimento dos tratados e convenções assinados, essa recente mudança no codex penal formalizou, na verdade, uma contradição legislativa perante os compromissos internacionais assumidos, sanada, como veremos, pela Lei Maria da Penha.
Por um lado, ao fixar a pena máxima em um ano, além de ter equiparado o tipo penal à lesão corporal leve (CP, art. 129, caput), também o trouxe para o rol de delitos de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95, art. 61). Por outro lado, tanto a CEDAW como a Convenção de Belém do Pará redefinem a violência e a discriminação contra a mulher como uma violação dos direitos humanos.
A sociedade internacional – aí incluído o Brasil – há muito reconhece a importância dos direitos humanos e a necessidade de repressão significativa de quem os viola, especialmente através da difusão de doutrinas referendadas pelo poder constituinte derivado brasileiro que redefinem o status jurídico dos tratados que sobre eles dispõem [12].
Dessa forma, não se poderia admitir um crime de menor potencial ofensivo que fosse também uma violação aos direitos humanos internacionalmente protegidos.
Ainda que assim não fosse, essa primeira solução legislativa no Código Penal também se revelou inócua, conforme interessante avaliação realizada pelo Prof.º Damásio [13]. O ilustre jurista concluiu não ter havido alteração significativa pelas seguintes razões, ipsis litteris:
"a) Crime de menor potencial ofensivo. Como ocorre na lesão corporal leve (art. 129, caput), a violência doméstica constante do § 9.º é delito de menor potencial ofensivo. Na fase policial, dispensa-se o flagrante delito se o autor comprometer-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal, elabora-se o termo circunstanciado etc. Assim, tratando-se de lesão corporal leve, excluídas as graves, gravíssimas e seguidas de morte (art. 129, §§ 1.º, 2.º e 3.º), a competência é dos Juizados Especiais Criminais (art. 61 da Lei n. 9.099/95, alterado pela Lei n. 10.259/2001).
b) Transação penal. Não é afastada a sua possibilidade com a alteração da pena mínima (art. 76 da Lei n. 9.099/95).
c) Sursis processual. É cabível (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
d) Penas restritivas de direitos. São cabíveis (art. 44 do CP).
e) Ação penal. Tratando-se de lesão corporal leve (§ 9.º), a ação penal pública depende de representação (art. 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais). Na hipótese de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte (§§ 1.º, 2.º e 3.º) praticada em qualquer das circunstâncias definidoras da violência doméstica (§ 9.º), a ação penal é pública incondicionada."
Em função dessa tímida iniciativa, não houve solução ao grande problema social que é a violência contra a mulher dentro da família. Sendo essa o núcleo celular do organismo social, pode-se antever sem esforço os problemas que uma nação enfrentaria se não combatesse propriamente esse crime que nasce, enraíza-se no seio familiar e projeta-se em ramificações por toda a sociedade.
É bem verdade que outras inovações foram implementadas, como a edição da Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que "altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências", incluindo o art. 216-A, com pena estabelecida entre um e dois anos de detenção. Entretanto, igualmente não houve resposta ao problema social da violência contra a mulher.
Outra esfera em que se mobilizou a estrutura pública estatal para adoção de medidas de combate à violência contra a mulher foi o Poder Judiciário, que adentrou ao debate da nova tendência mundial com decisões jurisprudenciais exemplares, as quais nem sempre se sobressaem diante de contextos e cultura regionais.
A esse respeito, o Brasil apresentou seu relatório ao Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher [14], em mensagem datada de 7 de julho de 2003, onde traçou o panorama da sensibilização jurisdicional brasileira:
"Em 1991, o Superior Tribunal de Justiça anulou a decisão do Júri Popular de uma cidade do sul do país que absolveu réu acusado de ter assassinado sua ex-mulher, recorrendo à chamada "tese da legítima defesa da honra". O STJ definiu que essa argumentação de defesa não constitui tese jurídica, revelando tão somente uma concepção de poder do homem contra a mulher e manifestou-se pela anulação do julgamento. No entanto, em novo julgado o Júri Popular dessa mesma cidade absolveu o réu, sem que o Superior Tribunal pudesse modificar tal decisão face à soberania do Júri Popular. Assim, apesar de nos grandes centros urbanos do país esse argumento de defesa estar em desuso, em grande parte pela pressão dos movimentos feministas e de mulheres, ainda, em muitas cidades do interior, advogados de defesa continuam utilizando tal tese, para sensibilizar o júri popular ainda orientado por visões preconceituosas e discriminatórias contra as mulheres.
Isso significa que, além da sensibilização do Poder Judiciário, faz-se necessário um amplo processo de educação popular, através de campanhas na mídia que atinjam toda a sociedade brasileira, no sentido de mudar mentalidades e dar amplo conhecimento aos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, em especial, aos direitos humanos das mulheres. O Poder Judiciário tem instâncias de formação de seus membros – as Escolas de Magistratura com as quais a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres buscará atuar para o processo de formação dos juízes nas questões relativas aos direitos humanos das mulheres. O mesmo esforço deverá ser feito em relação às Escolas da Defensoria Pública, do Ministério Público e às Universidades, em especial junto às Faculdades de Direito."
O Judiciário, porém, dada a sua função de aplicador do Direito, não poderia desequilibrar a harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Sem o devido respaldo legal, a magistratura nada poderia fazer, senão chegar ao limite de sua atuação jurisdicional na incansável busca pela Justiça. Esbarrava, dessa maneira, sempre nas arestas da lei e a ela se prendia.
A sociedade enxergou, então, que cada vez mais se fazia imprescindível uma norma eficaz, que trouxesse reais mecanismos de combate à violência doméstica contra a mulher.
Apesar de o País ter-se comprometido verdadeiramente em adotar políticas públicas de combate à violência e à discriminação contra a mulher desde a assinatura dos primeiros acordos internacionais, as propostas implementadas foram extremamente tímidas.
Nem mesmo a criação dos Juizados Especiais em 1995 foi suficiente à solução do problema, tendo servido apenas como porta de acesso ao Poder Judiciário para as mulheres vítimas dessa violência.
Um dos fenômenos sociais, inclusive, resultantes da nova sistemática de processamento judicial a partir da edição da lei nº 9.099/95 foi a impunidade e a baixa repressão aos agressores. A lei nº 9.099/95 tem méritos inegáveis e cremos que deveria expandir seu rito simplificado e célere aos demais procedimentos judiciais vigentes. Entretanto, a sociedade civil não concordou com essa solução no caso das mulheres vítimas de violência doméstica.
Uma vez que a competência para processar o crime de menor potencial ofensivo foi fincada aos Juizados Especiais Criminais, pôde-se observar que os réus, quando condenados, eram "obrigados apenas a pagarem uma cesta básica alimentar ou prestar serviços à comunidade. Tal situação tem levado à banalização da violência doméstica, desestimulando as vítimas a denunciar esses crimes e dando aos agressores um sentimento de impunidade", conforme relatório entregue ao CEDAW pela autoridade brasileira [11].
Assim, após mobilização intensa dos movimentos feministas, o Poder Legislativo, finalmente alterou o Código Penal de 1940 com a edição da lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004, que "acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado ‘Violência Doméstica’."
O dispositivo afetado trata do crime de lesão corporal e, entre os tipos contemplados, reside a tipificação do crime cujo nomen juris foi defino como "violência doméstica", sendo, pois, a lesão corporal praticada "contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade", estipulando pena de detenção de seis meses a um ano. Também agrava a pena em um terço, quando a violência doméstica praticada for de natureza grave.
Em que pese a tentativa de cumprimento dos tratados e convenções assinados, essa recente mudança no codex penal formalizou, na verdade, uma contradição legislativa perante os compromissos internacionais assumidos, sanada, como veremos, pela Lei Maria da Penha.
Por um lado, ao fixar a pena máxima em um ano, além de ter equiparado o tipo penal à lesão corporal leve (CP, art. 129, caput), também o trouxe para o rol de delitos de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95, art. 61). Por outro lado, tanto a CEDAW como a Convenção de Belém do Pará redefinem a violência e a discriminação contra a mulher como uma violação dos direitos humanos.
A sociedade internacional – aí incluído o Brasil – há muito reconhece a importância dos direitos humanos e a necessidade de repressão significativa de quem os viola, especialmente através da difusão de doutrinas referendadas pelo poder constituinte derivado brasileiro que redefinem o status jurídico dos tratados que sobre eles dispõem [12].
Dessa forma, não se poderia admitir um crime de menor potencial ofensivo que fosse também uma violação aos direitos humanos internacionalmente protegidos.
Ainda que assim não fosse, essa primeira solução legislativa no Código Penal também se revelou inócua, conforme interessante avaliação realizada pelo Prof.º Damásio [13]. O ilustre jurista concluiu não ter havido alteração significativa pelas seguintes razões, ipsis litteris:
"a) Crime de menor potencial ofensivo. Como ocorre na lesão corporal leve (art. 129, caput), a violência doméstica constante do § 9.º é delito de menor potencial ofensivo. Na fase policial, dispensa-se o flagrante delito se o autor comprometer-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal, elabora-se o termo circunstanciado etc. Assim, tratando-se de lesão corporal leve, excluídas as graves, gravíssimas e seguidas de morte (art. 129, §§ 1.º, 2.º e 3.º), a competência é dos Juizados Especiais Criminais (art. 61 da Lei n. 9.099/95, alterado pela Lei n. 10.259/2001).
b) Transação penal. Não é afastada a sua possibilidade com a alteração da pena mínima (art. 76 da Lei n. 9.099/95).
c) Sursis processual. É cabível (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
d) Penas restritivas de direitos. São cabíveis (art. 44 do CP).
e) Ação penal. Tratando-se de lesão corporal leve (§ 9.º), a ação penal pública depende de representação (art. 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais). Na hipótese de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte (§§ 1.º, 2.º e 3.º) praticada em qualquer das circunstâncias definidoras da violência doméstica (§ 9.º), a ação penal é pública incondicionada."
Em função dessa tímida iniciativa, não houve solução ao grande problema social que é a violência contra a mulher dentro da família. Sendo essa o núcleo celular do organismo social, pode-se antever sem esforço os problemas que uma nação enfrentaria se não combatesse propriamente esse crime que nasce, enraíza-se no seio familiar e projeta-se em ramificações por toda a sociedade.
É bem verdade que outras inovações foram implementadas, como a edição da Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que "altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências", incluindo o art. 216-A, com pena estabelecida entre um e dois anos de detenção. Entretanto, igualmente não houve resposta ao problema social da violência contra a mulher.
Outra esfera em que se mobilizou a estrutura pública estatal para adoção de medidas de combate à violência contra a mulher foi o Poder Judiciário, que adentrou ao debate da nova tendência mundial com decisões jurisprudenciais exemplares, as quais nem sempre se sobressaem diante de contextos e cultura regionais.
A esse respeito, o Brasil apresentou seu relatório ao Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher [14], em mensagem datada de 7 de julho de 2003, onde traçou o panorama da sensibilização jurisdicional brasileira:
"Em 1991, o Superior Tribunal de Justiça anulou a decisão do Júri Popular de uma cidade do sul do país que absolveu réu acusado de ter assassinado sua ex-mulher, recorrendo à chamada "tese da legítima defesa da honra". O STJ definiu que essa argumentação de defesa não constitui tese jurídica, revelando tão somente uma concepção de poder do homem contra a mulher e manifestou-se pela anulação do julgamento. No entanto, em novo julgado o Júri Popular dessa mesma cidade absolveu o réu, sem que o Superior Tribunal pudesse modificar tal decisão face à soberania do Júri Popular. Assim, apesar de nos grandes centros urbanos do país esse argumento de defesa estar em desuso, em grande parte pela pressão dos movimentos feministas e de mulheres, ainda, em muitas cidades do interior, advogados de defesa continuam utilizando tal tese, para sensibilizar o júri popular ainda orientado por visões preconceituosas e discriminatórias contra as mulheres.
Isso significa que, além da sensibilização do Poder Judiciário, faz-se necessário um amplo processo de educação popular, através de campanhas na mídia que atinjam toda a sociedade brasileira, no sentido de mudar mentalidades e dar amplo conhecimento aos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, em especial, aos direitos humanos das mulheres. O Poder Judiciário tem instâncias de formação de seus membros – as Escolas de Magistratura com as quais a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres buscará atuar para o processo de formação dos juízes nas questões relativas aos direitos humanos das mulheres. O mesmo esforço deverá ser feito em relação às Escolas da Defensoria Pública, do Ministério Público e às Universidades, em especial junto às Faculdades de Direito."
O Judiciário, porém, dada a sua função de aplicador do Direito, não poderia desequilibrar a harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Sem o devido respaldo legal, a magistratura nada poderia fazer, senão chegar ao limite de sua atuação jurisdicional na incansável busca pela Justiça. Esbarrava, dessa maneira, sempre nas arestas da lei e a ela se prendia.
A sociedade enxergou, então, que cada vez mais se fazia imprescindível uma norma eficaz, que trouxesse reais mecanismos de combate à violência doméstica contra a mulher.
VI – A formalização de uma proposta e a evolução dos trabalhos no Congresso Nacional
As parcas mudanças promovidas no ordenamento jurídico levaram o País a debater profundas alterações na função jurisdicional do Estado para redefinir sua atuação na repressão à violência doméstica contra a mulher. Entretanto, essa atuação dependeria de um suporte normativo claro e eficaz.
Assim, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial [15], integrado pelos seguintes órgãos: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República (coordenação); Casa Civil da Presidência da República; Advocacia-Geral da União; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública.
O fruto desse esforço, capitaneado pela SPM, foi o projeto de lei nº 4.559, de 2004, encaminhado ao Congresso pelo presidente da República em 3 de dezembro daquele ano.
Muitas inovações foram propostas no PL 4.559/04: definição de violência doméstica e familiar contra a mulher em cada uma de suas manifestações: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial; equiparação desse tipo de violência a uma das formas de violação dos direitos humanos; alterações no procedimento das ocorrências que envolvam a violência doméstica e familiar contra a mulher, quando do atendimento da autoridade policial; estabelecimento de amparo à vítima através do atendimento por equipe multidisciplinar, formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento, como psicólogos, assistentes sociais e médicos; participação ativa e mais veemente do Ministério Público nas causas envolvendo essa forma de violência doméstica e familiar; ampliação das formas de medida cautelares em relação ao agressor e de medidas de proteção à vítima com efeitos cíveis e penais; acréscimo de nova hipótese de prisão preventiva, quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja a pena aplicada; entre outras medidas importantes;
Em relação à lei nº 9.099/95, o projeto originalmente continha soluções de adequação da legislação especial à necessidade de rápida resposta judicial e extrajudicial ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, alterando apenas o procedimento do Juizado Especial Criminal.
Uma das intenções do Poder Executivo era resgatar o inquérito policial previsto no Código de Processo Penal para abolir o Termo Circunstanciado previsto na lei nº 9.099/95, objetivando permitir uma visão mais aprofundada dos fatos à autoridade judicial. Também se buscou excluir a vedação à prisão em flagrante e permitir a decretação de prisão preventiva, resgatando-se essas figuras para os crimes de violência doméstica contra a mulher.
Entre as inovações originalmente propostas, também havia a necessidade de uma audiência de apresentação, na qual a vítima seria ouvida pelo juiz antes do agressor e, mesmo diante de uma intenção conciliadora, não poderia a vítima ser compelida a transacionar. Em hipótese alguma, segundo o texto inicial, a audiência poderia ser presidida por servidor que não fosse juiz ou bacharel em Direito, além de capacitado na questão desse tipo de violência.
Na audiência de instrução e julgamento do rito criminal especial, foi deslocado o momento para proposição da transação penal da primeira para a audiência seguinte, visando permitir, nesse intervalo, o encaminhamento da vítima à equipe multidisciplinar.
Em relação às sanções, a proposta vedava claramente a aplicação de aplicação de penas restritivas de direito de prestação pecuniária, como o pagamento de cesta básica, e multa.
A questão da fixação da competência criava um universo concorrente entre Juizados Especiais e Varas Cíveis e Criminais, com o dever de obediência às normas inovadoras consignadas na proposta. Ao final, abria caminhos para a criação de Varas e Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e penal, visando ao atendimento global e emergencial que as demandas exigiriam.
Muito embora esse tenha sido, em linhas gerais, o teor das inovações pretendidas pelo Poder Executivo, muitas mudanças à proposta original foram implementadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
A Câmara dedicou-se às alterações de mérito por intermédio de três comissões analisadoras. Graças às mais de 14 reuniões, seminários e audiências públicas realizados em todo o País, ao projeto foram incorporados os verdadeiros anseios das entidades representativas das mulheres.
O Senado, por sua vez, através unicamente de sua Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, promoveu uma verdadeira revisão no projeto, então denominado PLC 37, de 2006. Essas mudanças foram eminentemente redacionais, objetivando enxugar e harmonizar o texto, permitindo sua execução social com clareza e precisão, como, aliás, reza a lei complementar nº 95, de 1998.
As parcas mudanças promovidas no ordenamento jurídico levaram o País a debater profundas alterações na função jurisdicional do Estado para redefinir sua atuação na repressão à violência doméstica contra a mulher. Entretanto, essa atuação dependeria de um suporte normativo claro e eficaz.
Assim, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial [15], integrado pelos seguintes órgãos: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República (coordenação); Casa Civil da Presidência da República; Advocacia-Geral da União; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública.
O fruto desse esforço, capitaneado pela SPM, foi o projeto de lei nº 4.559, de 2004, encaminhado ao Congresso pelo presidente da República em 3 de dezembro daquele ano.
Muitas inovações foram propostas no PL 4.559/04: definição de violência doméstica e familiar contra a mulher em cada uma de suas manifestações: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial; equiparação desse tipo de violência a uma das formas de violação dos direitos humanos; alterações no procedimento das ocorrências que envolvam a violência doméstica e familiar contra a mulher, quando do atendimento da autoridade policial; estabelecimento de amparo à vítima através do atendimento por equipe multidisciplinar, formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento, como psicólogos, assistentes sociais e médicos; participação ativa e mais veemente do Ministério Público nas causas envolvendo essa forma de violência doméstica e familiar; ampliação das formas de medida cautelares em relação ao agressor e de medidas de proteção à vítima com efeitos cíveis e penais; acréscimo de nova hipótese de prisão preventiva, quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja a pena aplicada; entre outras medidas importantes;
Em relação à lei nº 9.099/95, o projeto originalmente continha soluções de adequação da legislação especial à necessidade de rápida resposta judicial e extrajudicial ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, alterando apenas o procedimento do Juizado Especial Criminal.
Uma das intenções do Poder Executivo era resgatar o inquérito policial previsto no Código de Processo Penal para abolir o Termo Circunstanciado previsto na lei nº 9.099/95, objetivando permitir uma visão mais aprofundada dos fatos à autoridade judicial. Também se buscou excluir a vedação à prisão em flagrante e permitir a decretação de prisão preventiva, resgatando-se essas figuras para os crimes de violência doméstica contra a mulher.
Entre as inovações originalmente propostas, também havia a necessidade de uma audiência de apresentação, na qual a vítima seria ouvida pelo juiz antes do agressor e, mesmo diante de uma intenção conciliadora, não poderia a vítima ser compelida a transacionar. Em hipótese alguma, segundo o texto inicial, a audiência poderia ser presidida por servidor que não fosse juiz ou bacharel em Direito, além de capacitado na questão desse tipo de violência.
Na audiência de instrução e julgamento do rito criminal especial, foi deslocado o momento para proposição da transação penal da primeira para a audiência seguinte, visando permitir, nesse intervalo, o encaminhamento da vítima à equipe multidisciplinar.
Em relação às sanções, a proposta vedava claramente a aplicação de aplicação de penas restritivas de direito de prestação pecuniária, como o pagamento de cesta básica, e multa.
A questão da fixação da competência criava um universo concorrente entre Juizados Especiais e Varas Cíveis e Criminais, com o dever de obediência às normas inovadoras consignadas na proposta. Ao final, abria caminhos para a criação de Varas e Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e penal, visando ao atendimento global e emergencial que as demandas exigiriam.
Muito embora esse tenha sido, em linhas gerais, o teor das inovações pretendidas pelo Poder Executivo, muitas mudanças à proposta original foram implementadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
A Câmara dedicou-se às alterações de mérito por intermédio de três comissões analisadoras. Graças às mais de 14 reuniões, seminários e audiências públicas realizados em todo o País, ao projeto foram incorporados os verdadeiros anseios das entidades representativas das mulheres.
O Senado, por sua vez, através unicamente de sua Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, promoveu uma verdadeira revisão no projeto, então denominado PLC 37, de 2006. Essas mudanças foram eminentemente redacionais, objetivando enxugar e harmonizar o texto, permitindo sua execução social com clareza e precisão, como, aliás, reza a lei complementar nº 95, de 1998.
Fabrício da Mota Alves advogado especialista em Direito Tributário, assessor parlamentar no Senado Federal, professor universitário