No 8 de março, preparação para agosto Em meio aos preparativos para as comemorações do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, as organizações feministas também se reúnem para discutir as diretrizes da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, a ser realizada entre os dias 18 e 21 de agosto deste ano.
A expectativa é grande, pois além de ser realizada no primeiro ano da nova gestão do governo Lula, ocorre paralelamente às discussões do Plano Plurianual (PPA), em que o governo orienta o planejamento e a gestão dos recursos para os próximos quatro anos. O processo da Conferência já começou. Algumas plenárias municipais já se iniciaram e vão até o fim de abril. As conferências estaduais, convocadas pelos governos estaduais, vão de 15 de maio a 15 de julho.
O evento nacional será organizado pela Secretaria de Políticas para as mulheres (SPM) e terá três temas principais: a análise da realidade brasileira e os desafios para a construção da igualdade de gênero; a avaliação das ações e políticas propostas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) e a participação das mulheres nos espaços de poder.
Neste ano, são esperadas 2.800 delegadas, um aumento de 41% em relação à Conferência anterior, informou à Rets a secretária-adjunta da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Teresa Nascimento. "Os movimentos sociais têm criado uma expectativa muito grande em relação à Conferência porque, a partir do plano que foi elaborado depois da I Conferência, as delegadas já virão mais preparadas para esta. Já sabem as ações que os governos municipais e estaduais implementaram e deixaram de implementar. E onde o governo federal falhou ou não", afirma a secretária, que acredita ser a Conferência a prova cada vez maior da interação entre o poder público e os movimentos sociais. De acordo com Beth Ferreira, da coordenação nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), há nove conferências nacionais - convocadas pelo governo federal em diversas áreas - neste ano, e a idéia é atuar em todas elas. "Achamos que é importante uma atuação mais intensa dentro da Conferência de Políticas para as Mulheres e uma atuação nas outras também, já que tudo tem a ver com a vida das mulheres", afirma. Segundo ela, o movimento já tem bastantes propostas de políticas públicas, portanto, esta Conferência deve ser menos voltada para a elaboração de propostas e mais para o debate. Além disso, o longo processo de discussões que vai dos municípios até o âmbito nacional, passando pelos estados e regiões brasileiras, permite que novas histórias sejam contadas. "A idéia é poder pautar questões que muitas vezes não são pautadas. Como é a questão do desenvolvimento em cada região, as diferenças entre elas e como isso impacta na vida das mulheres, por exemplo", diz Beth. Apesar da avaliação do Plano Nacional estar entre as prioridades do encontro, assim como a participação das mulheres no poder, as bandeiras tradicionais do movimento feminista também terão espaço na Conferência. "A questão da igualdade racial, por exemplo, é um debate constante. Há uma tendência do movimento feminista de que isso não seja apenas uma bandeira do movimento negro de mulheres", afirma Beth. Guacira Cesar de Oliveira, diretora do Cfemea e também integrante da coordenação executiva nacional da AMB, lembra a questão do aborto. "Esse é um dos grandes temas que vão estar presentes desde as instâncias locais até a Conferência em Brasília", acredita. Plano Nacional
A avaliação da implementação do Plano Nacional deve alimentar grande parte dos debates na Conferência. O PNPM foi tecido a partir das diretrizes definidas na I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em julho de 2004, e contém ações propostas para a promoção da igualdade de gênero. O Plano está estruturado em torno de quatro áreas estratégicas de atuação: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e enfrentamento à violência contra as mulheres. "Em termos de propostas que cabiam ao governo federal, todas foram cumpridas", garante a secretária da SPM. Ela afirma, no entanto, que existe uma fragilidade nos governos estaduais e municipais. "Um exemplo são as delegacias especializadas para as mulheres. Nós só podemos recomendar a criação de novas unidades, porque essa é uma atribuição estadual. Então haverá cobranças dos movimentos sociais - e é bom que haja - para que os governos, em todas as instâncias, redirecionem as políticas e avancem em alguns aspectos", acredida Teresa. Para Beth Ferreira, a idéia é que o movimento possa se apropriar do plano de forma crítica. "Não dá para negar que, com a elaboração do plano, houve um avanço desde a I Conferência. Mas temos de lembrar que o contingenciamento para 2007 feito pelo governo passa pelas políticas que afetam as vidas das mulheres. Houve um corte muito grande nas políticas voltadas para o combate à violência contra a mulher, por exemplo", lembra. Segundo ela, as organizações estão mobilizadas para que não haja nenhum retrocesso em torno das diretrizes que foram aprovadas para o PNPM.
A secretária-adjunta da SPM discorda que o contingenciamento tenha sido um entrave à implementação do Plano. "Os movimentos sociais avaliaram essa questão de uma forma cartesiana, pensando no total contingenciado. Nós da SPM conseguimos descontingenciar, no segundo semestre de 2006, quase que a totalidade do nosso orçamento. Hoje sabemos, pela nossa experiência de gestão aqui na Secretaria, que, quando temos um trabalho a realizar e realizamos, conseguimos os recursos. Esse ano, se apresentarmos trabalho, tenho certeza que vai ser a mesma coisa", garante Teresa. Guacira também vê de forma crítica a implementação do Plano. "Confirmadas as suas diretrizes, temos que ver em que medida novas questões e novas prioridades precisam ser incorporadas. Eu avalio que as diretrizes do PNPM de fato são boas, mas não correspondem às diretrizes que foram ditadas pela I Conferência", avalia a diretora do Cfemea. Segundo ela, foram aprovadas diretrizes abrangentes e profundas, mas o Plano foi elaborado a partir disso, e não pela Conferência.
"O PNPM foi bem debatido, mas acredito que as prioridades não são suficientes, e os programas e ações que correspondem a essas prioridades são menos ainda", critica. Como exemplo ela cita a questão do combate à violência contra as mulheres, que foi tida como prioridade, mas as medidas e os recursos não foram suficientes. "Outra questão importante é a da autonomia econômica das mulheres, que é uma das prioridades da Conferência. Não basta ter apenas algumas iniciativas de mulheres em termos de economia solidária, mas também é preciso ter uma política de emprego, de crédito, que apóie diferentes alternativas de geração de renda", diz Guacira. PPA e Reforma Política O fato de a Conferência acontecer no primeiro ano da nova gestão do governo Lula, e em paralelo com a discussão do PPA, garante a possibilidade de articular o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres ao Plano Plurianual. "Isso foi um problema na Conferência anterior porque ela aconteceu depois das discussões do PPA. Então, muitos recursos já estavam amarrados dentro do PPA. É um desafio atuar paralelamente", acredita Beth. Segundo Guacira, a idéia é conectar todo o debate da Conferência ao processo de discussão do PPA. "Não acreditamos que uma política pública para as mulheres tenha que ser uma política específica. Há políticas específicas, sim, mas a questão da desigualdade de gênero está colocada de forma estrutural na nossa sociedade. Todas as políticas públicas têm de visar ao combate a essas desigualdades", acredita. Para ela, uma política de combate à pobreza só será eficaz se olhar para questão de gênero e como essa desigualdade entre homens e mulheres produz pobreza. O outro grande eixo da Conferência vai tratar da questão da participação política das mulheres. As eleições do ano passado mostram que pouco ou quase nada tem se avançado neste campo, pois foram eleitas menos mulheres para cargos públicos do que na eleição anterior. "Estamos muito envolvidas na questão do debate da Reforma Política com participação popular. Não é um tema exclusivo dos partidos políticos, como não se trata apenas de uma reforma político-eleitoral", afirma Guacira. Ela destaca que vários temas têm de entrar nessa discussão, tais como os mecanismos de participação e de controle social, os conselhos, as Conferências e os mecanismos da democracia direta. "As mulheres querem exercer seus direitos não só delegando poderes, mas exercendo plenamente a sua cidadania", defende. "Não basta as mulheres ocuparem os espaços de poder, nós queremos transformar esses espaços", complementa Beth Ferreira, da AMB. "A discussão sobre a participação das mulheres nos espaços está em debate em todos os estados e é uma questão muito importante. O governo já voltou atrás na proposta da Reforma Política e os esforços propostos por ele serão muito pequenos. O que nós reivindicamos é uma Reforma ampla, que promova a democracia representativa direta", diz Beth. Ela chama a atenção também para a necessidade de se discutir o famoso PAC: o Programa de Aceleração do Crescimento, apresentado neste ano pelo governo. Segundo ela, o PAC traz de volta a idéia do crescimento a qualquer custo. "Por mais que o governo diga que é crescimento com distribuição, o plano não propõe isso. Há cortes na área social e isso tem um impacto muito grande na vida das mulheres. O foco é na infra-estrutura e energia, que são importantes, mas não mais do que a políticas sociais", critica Beth. Teresa, da SPM, lembra que o PAC social, em gestação no governo federal, trará muitos benefícios no campo das políticas sociais, que afetarão diretamente as mulheres.